Com avanços tecnológicos caminhando a passos que até mesmo a humanidade mal consegue acompanhar, a inteligência artificial (IA) tem preocupado também no cenário político. Montagens, trucagens, "deep fakes", tanto em imagens e vídeos, mas até mesmo em áudios, esta é a realidade a se lidar atualmente, sendo difícil discernir o que é real do que é falso.
Em vista do ano eleitoral em curso, no fim de fevereiro o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou resoluções eleitorais com as regras finais para o pleito de outubro, as quais também visam o uso regulado das IA"s. Entre elas está a proibição dos deepfakes (vídeos realistas produzidos com uso de IA), assim como exigência de identificar explicitamente conteúdo gerado por IA e restrição de uso de chatbots e avatares na comunicação com eleitores.
A ação é uma contribuição importante para tornar o ambiente da campanha eleitoral menos vulnerável ao abuso do uso da IA por partidos e candidatos, conforme avalia o professor em comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e líder do grupo de pesquisa sobre política mídia e democracia, Midiaticus, o doutor Bruno Araújo.
"Ela pode ser usada, desde que isso seja devidamente anunciado ao público. O que não é possível é criar um conteúdo fictício ou fraudulento e disponibilizá-lo sem aviso ao eleitor. Isso manipula o processo eleitoral e traz prejuízos enormes à vida democrática", afirmou o pesquisador.
Araújo explica que o Tribunal se viu obrigado a criar tais normas ante a inércia do Congresso Nacional que, em suas palavras, parece incapaz de produzir uma legislação que regulamente não apenas o uso da IA, mas também que explicite o que pode e o que não pode no espaço das plataformas de mídias sociais.
"As plataformas, atualmente, estão totalmente isentas de responsabilidade por eventuais conteúdos que incitam crimes e que circulam, com a conivência delas, nas redes. Isso precisa acabar. É preciso que elas também tenham responsabilidades nesse processo que procura, antes de mais nada, garantir um ambiente de informações verídicas para que o eleitor possa formular livremente a sua decisão", afirma.
O pesquisador ressalta que caso os eleitores não consigam discernir o que é real do que é fraudulento, terão suas escolhas prejudicadas, o que fere um princípio basilar da democracia eleitoral. "As regras criadas pelo TSE são bem-vindas e vão na direção de tornar a campanha eleitoral, que hoje se passa em grande medida nos meios digitais, menos vulnerável a conteúdos fraudulentos", esclarece.
Para o especialista, as tecnologias cumprem um papel importante e podem tornar a vida melhor em vários aspectos, mas a experiência tem mostrado que elas também possuem um papel danoso para o debate público, para o esclarecimento das pessoas e para o próprio funcionamento regular da democracia.
"Quando alguém se apresenta às eleições, tem o dever de respeitar as regras do jogo. Os candidatos sabem que temos uma regra. Como tal, não podemos transgredi-lá, sob pena de fraudarem o processo. Em política, não vale tudo. A democracia é o único regime em que nem tudo pode. É preciso entendermos de uma vez por todas que o mundo digital não se difere do mundo físico: numa relação pessoal ou mediada por um computador, é necessário o respeito às regras", pontua.
Nesse sentido, para o pesquisador, as instituições precisam garantir que os eleitores possam exercer livremente o seu poder de escolha, ou seja, num ambiente que, respeitando a liberdade de expressão, não permita fraudes que interfiram no esclarecimento do cidadão.
"Se um candidato recorre à IA para produzir um conteúdo, que deixe claro para o seu eleitor que recorreu a esse procedimento. É de clareza e transparência que estamos falando. E, claro, a IA, principalmente a IA generativa, cria perigos adicionais se não for utilizado obedecendo a determinadas regras", alerta.
O pesquisador reforça que não se trata de impedir as pessoas de se manifestarem, mas de garantir que elas atuem dentro das regras do jogo.
"Quando estamos falando de eleições, isso se torna ainda mais importante, porque o pressuposto de uma escolha é o esclarecimento sobre o que se vai escolher; se vivemos num ambiente em que tudo vale, em que não há diferenças entre o que é real e o que é falso, como vamos nos orientar e escolher quem deverá nos representar? É uma questão de respeito ao eleitor, de transparência e de respeito ao bem mais precioso que temos, que é a democracia", afirma.
Fonte: Gazeta Digital